junho 06, 2007

ÂNSIA


expressão visual por Frederico Fonseca


- Ânsia -
Não de um amanhecer que te traga
Os primeiros raios de luz.
Com estes vêm os primeiros filhos da puta
Que te repisam e te aleijam
Que se torcem e bracejam
Como se tudo não passasse
De uma matança premeditada.

(E os super-primatas que cospem no chão,
Que batem punhetas e te apertam a mão)

- Ânsia –
Não de um anoitecer que te traga
Os primeiros lastros de lua.
Com estes vêm os últimos filhos da puta
Que te consomem e te regurgitam
Com os seus olhos atordoados
Por mais de mil fármacos mensais.
No meio fica a ânsia de tudo o resto
Que não consegui nomear.
Por vezes, torna-se ânsia
De nem sequer acordar.


Mário Lisboa Duarte

4 comentários:

Isabel disse...

Bom, bom bom muito bom tudo o que li por aqui.
Acertou bem no centro dos vários centros.

Tenho muito essa ânsia de não acordar.

Tenho-a muito... mas um dia tive mais ainda.

Nesse dia matei-me.

Foi bom, foi mau, mas o que importa é que no fim não morri. Sobrevivi, estranhamente.
Estive lá, na morte mas não fiquei.
Fui lá de férias mas não para lá viver.
Por causa da ânsia que falas, uma ânsia que dá extremo cansaço fui lá descansar.

Bom o ar aqui... para quem é como eu.

Respirável...

Isabel

icendul disse...

ânsia é ancora em panelas em ebolição: queima-nos os tecidos - arde tanto o estômago... - coze-nos o espírito. e depois? somos servidos em pratos assépticos às goelas do mundo? não: ânsia é motor de injecção para um além; tb nós aprendemos a cozinhá-la, a converter a fome de sossego em alimento para a marcha dos dias.*

Mário Lisboa Duarte disse...

Cara Inês: todos cozinhassem tão bem quanto vossa excelência...

Paula Raposo disse...

Assim é...